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Meditação na Pastelaria II

Meditação na Pastelaria II

Com três letrinhas apenas se escreve a palavra ler

A discussão sobre se a realidade imita a ficção ou a ficção imita a realidade parece tão velha como a discussão sobre o advento dos ovos e das galinhas, e mesmo anterior ao debate sobre se os anjos têm ou não têm sexo, tema bizantino que renhida e acaloradamente terá ocupado as autoridades religiosas de Constantinopla em 1453, estavam os turcos otomanos às portas da cidade de (hoje) Istambul que, aliás, tomam deseducadamente sem esperar que  os eclesiásticos cheguem a uma conclusão, os salamaleques deixados para outra altura.

Num filme como “O Padrinho: Parte III” (no Brasil, “O Poderoso Chefão” o que diz quase tudo sobre a premência do tal do Acordo Ortográfico...), no qual são ficcionados factos históricos contemporâneos (a morte suspeita de João Paulo I e o escândalo que envolveu o Banco Ambrosiano ligado ao Vaticano), não deixa de ser curioso que acabem por ser essas as passagens menos críveis – como se o espectador, para acreditar na verdade da ficção, tivesse de a expurgar dos elementos de realidade recorrendo a uma espécie de distanciamento histórico, parente próximo do chamado distanciamento brechtiano.

O "efeito de reconhecimento”, que faz de tantas obras menoríssimas grandes êxitos de livraria conseguidos à conta de processos de identificação pobres, preguiçosos e egotistas, pode estar, contudo, a ser perigosamente promovido quando se defende, por exemplo, que as obras a incluir nos programas de ensino de português privilegiem “textos [do séc. XX e XXI] de natureza narrativa e descritiva, de mais fácil compreensão por parte dos destinatários ideais, que são os alunos dos vários graus de ensino.”

Não deixa de ser paradoxal, e fazer prova do desnorte que grassa nestas matérias, que em paralelo com esta aparente preocupação pela capacidade interpretativa dos alunos – e, dado o estado das artes, será legítima a pergunta sobre até que ponto a mesma não vem contribuindo para a sua imbecilização –, se carregue com tal delírio na gramática que os alunos do 8º ano se vejam obrigados a decorar que um narrador pode ser, e recorro aqui à perplexidade da escritora Teolinda Gersão, “extradiegético, intradiegético, autodiegético, heterodiegético, homodiegético.”

Se qualquer passagem de Camilo, Aquilino, ou mesmo Francisco Rodrigues Lobo não é mais compreensível do que isto, que eu seja obrigada a ler todos os Prémios Leya até ao final dos meus dias!

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